ÍNDICE
ESCRITORES

André Kondo
Filho
de imigrantes japoneses, nasceu em Santo André em 1975. É autor dos
livros Além do Horizonte, Amor sem Fronteiras (Prêmio Paulo Mendes
Campos – UBE-RJ), Contos do Sol Nascente (Prêmio Bunkyo de
Literatura, M. H. Prêmio Esfera das Letras, Prêmio ProAC –
Governo de São Paulo), Cem pequenas poesias do dia a dia (Prêmio de
Literatura UNIFOR), Palavras de Areia (Prêmio Alejandro Cabassa –
UBE-RJ, Prêmio Estímulo de Cultura), Jabuti sabe voar? (Prêmio Maria
Osternach Pedroso), Alguém viu minha mãe? (Prêmio CEPE de Literatura
Infantil e Juvenil) e O pequeno samurai (M.H. Prêmio Nacional de
Literatura João-de-Barro). Atualmente reside em Jundiaí, terra de sua
musa. Assim como na ASES em Bragança Paulista, também é membro
correspondente da Academia Taubateana de Letras. Recebeu mais de cem
premiações literárias no Brasil, Japão e Portugal. Pós-graduado pela
University of Sydney, morou na Austrália e no Japão, tendo viajado por
60 países em busca de inspiração para a sua escrita. Vive de
literatura, escrevendo e ministrando palestras e oficinas de criação
literária em várias cidades.
Blog: www.andrekondo.blogspot.com.br
Crônica do medo
André Kondo
— Você não teve medo?
Essa foi uma das perguntas mais frequentes que me fizeram, quando
voltei de minha viagem de volta ao mundo, passando por cinquenta países
em oito meses. Depois, repetiram a mesma pergunta, quando voltei de
outra viagem, dessa vez, apenas pela América do Sul, só que realizada
no estilo carona, dormir na praça e passar fome.
Medo?
Quase fui roubado e detido na Rússia, fui abandonado na fronteira
tcheca, enganado no Peru, quase atropelado em uma ilha da Indonésia,
quase despenquei de uma montanha na Venezuela, enfrentei uma enchente
em Honduras, escalei um vulcão ativo na Guatemala, andei mil
quilômetros na Espanha, fui ameaçado em Rondônia, dormi em caverna na
Capadócia e em albergues de mendigos no Brasil, passei fome no Caminho
da Fé, passei frio no Círculo Polar Ártico e calor na linha do
Equador...
Se eu tive medo?
Sim. Eu tive medo. Tive medo de uma vida sem sentido, em trabalhar em
um emprego em que acordasse com um suspiro de desânimo e retornasse
para casa com outro de tédio. Tive medo de enfrentar o trânsito caótico
de uma cidade para chegar a lugares em que eu não queria chegar. Tive
medo de me enforcar com uma gravata todos os dias. Tive medo de
abandonar o meu sonho de conhecer o mundo e de escrever sobre ele. Tive
medo de viver cotidianos, de ver o mesmo dia se repetindo todas as
semanas e todas as semanas se repetindo em todos os meses e todos os
meses finalmente se convertendo em anos e os anos se convertendo em
fim. Tive medo de adiar a minha vida.
Por isso, eu parti. E em cada curva da estrada, em cada momento em que
eu não sabia o que ia acontecer lá na frente, eu sorria. E nunca
suspirei de tédio ou desânimo, mesmo diante de uma longa e escaldante
estrada. Senti o frio ártico em minha pele e me senti mais aquecido do
que nunca, pois é melhor sentir o frio na pele do que frio no coração.
Senti o calor equatorial e suei todos as minhas frustrações, que se
escondiam debaixo dos meus poros. Fui enganado, sim. Mas não perdi a
confiança em mim. Fui abandonado, sim. Mas não abandonei a minha fé.
Fui ameaçado, sim. Mas não ameacei desistir do meu sonho. Senti fome,
sim. Mas nunca deixei de sentir a minha alma alimentada.
Se eu não tenho medo agora?
Tenho medo e sempre quero ter medo.
Agradeço ao medo. Foi ele que me fez ter a coragem de enfrentar outros
medos. A verdade é que não há medo maior do que não ter medo de nada.
Pois o medo nos desafia a enfrentá-lo. Quem não sente medo, contenta-se
com a segurança do cotidiano, dos pratos de mesmos sabores, dos
bom-dias sem calor.
Sinto medo de não ter medo. Medo de ter coragem de viver uma vida sem
sobressaltos, sem riscos, sem desafios...
Quero ter medo!
Quero, sobretudo, ter medo da morte, para ter coragem de enfrentar... todos os medos da vida.
(volta)
|
|
|
|
|
|
|
|