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ESCRITORES


 


NESTOR LAMPROS


Nascido em São Paulo(1971), vive em Atibaia. Escritor, artista plástico, ator, quadrinista, ex-professor de desenho e pintura. Graduado em Letras pela FESB (2000-2005) de Bragança Paulista, Pós Graduado em Arte Educação pela UNIFAAT de Atibaia (2008-2009). Duas vezes finalista do Mapa Cultural Paulista em poesia ( 2004 - segundo lugar) e em 2008, poesia. Ganhador por duas vezes do prêmio em poesia,  do FEMUP, em Paranavaí-PR (20012 e 20013). Várias vezes vencedor no Concurso de Contos e Poesias de Atibaia. Vencedor de vários certames como pintor e cartunista, dentro e fora de Atibaia. O seu livro de poemas Roupagem Leve editado pelo concurso de editais da  Secretaria de Cultura de Atibaia (2011). Em 2024 lançou seu livro autobiográfico, A Volta do Nono Círculo− Relatos de um Esquizofrênico. 
Contato no Facebook: @artistanestorlampros −
Instagram: @nestorlampros − Faz parte do Coletivo Literário Quatati de Atibaia.




DO LIVRO TUDO SOBRE TUDO



                                         ATIBAIAS

A lua estava resplandecente no céu de minha cidade.

Minha cidade era como uma flor carnívora, como uma ursa, com todas as suas potencialidades, suas presas e músculos reservadas à vida. Mas a lua pairava solitária num mundo sem estrelas. As galáxias pareciam ter já abandonado o céu, despontava o sol. O sol que machucava a lua com suas perfurações de raios. De calor que a abraçaria, que a manteria, na noite seguinte, emprestando o seu brilho para que ela iluminasse os corredores de minha cidade. De nossa cidade. Atibaia.

Era o nome dela. Água boa de beber. Terra boa em fazer nascer os morangos famosos. Com homens e mulheres renovados. Com suas crianças que se desenvolverão, mais tarde, como gente adulta, cidadão, pagadores de impostos.  Eu os recolho nas ruas e nas partes pobres, e nos novos nomes que damos a eles. A elas. A mim próprio.

Há o bairro de Caetetuba, com o espírito de ser  a  indesejada, nas entrelinhas da cidade. Ou o Jardim Imperial que tem imperial só no nome; bairro populoso, de onde chegam as vozes dissonantes para o corpo inflado da nossa cidade. O bairro do Alvinópolis, zona de densidade populacional, que fica nas cercanias do centro, do coração pulsante de Atibaia... Todas as ruas não foram, decerto, asfaltadas, todos os cantos não têm muita segurança, como nas ruas da Europa, ou mesmo da América. Mas é minha cidade, loucura de um devaneio de alguém que fora bandeirante e fez ouvir o tropel das bandeiras. E que cresceu em volta da mãe, ouvindo histórias para dormir. Em algum ponto esquecido de minha cidade. Sob uma árvore que mantinha as últimas e as primeiras flores da cidade. Dos carros que pintam as ruas com a velocidade, com suas marchas e sua benignidade natural no nosso mundo artificial. Minha cidade de águas, sem nenhum mar. Ama-se talvez, nos Parques, como já namorei. Moro perto de um parque  onde velhos poderiam em algum tempo levar os netos a pescar as rabiolas das pipas, que nunca conheceram Portinari, com seus quadros coloridos( os não- picassianos - eu digo...), mas que sabiam com um saber ancestral do pintor de Brodoski.

 Atibaia. Não foi aqui que nasci, mas aqui que morri várias vezes, passo a passo, diante da secura do que é falta no teu nome imensamente bonito, à procura de outra lua a quem eu possa aquecer neste inverno. Como raios de minhas mãos trabalhadoras de servente de pedreiro. Ou de um mentiroso, ou de um professor que tenta captar de relance e  o nexo da ideia de seus alunos. Ou eu, artista, e por vias das dúvidas, que ama odiando o resto de secura, que habita nas folhas da cidade. Imensa, com a sua lua. E bondosa e severa como uma mãe de orvalhos na madrugada crua e cheia de olhos e ouvidos. Somos múltiplos na cidade,  que para nós é sempre e será- a única.



                            PÁSSARO DESCALÇO

A pequena mulher ali esparramada  no chão da rodoviária...
Eu a via e me condenava. Por ela e por todos os indigentes do mundo. Ela era uma partícula, apenas. Muitas outras viriam a nascer e iriam estar ali, como ela. Milhares de sombras de todos os tempos, apenas vegetado, ou melhor, dormindo naquele sono pétreo, como um alguém que não tem onde recostar  a cabeça.
O insólito é que seus pés estavam descalços. Os chinelinhos estavam alinhados paralelamente ao corpo. Às vezes  a garota murmurava algo. Às vezes parecia se agitar. Talvez alguma lembrança tardia e  distante do Paraíso- que ela não saberia assegurar o que fosse: uma sobra furtiva de um sorvete? Ou a água mineral gratuita de alguém que se condoesse por ela? Talvez, quem sabe,  o  calor ser amainado por um vento fresco de verão, vindo do Norte...
Ela roncava como se fizesse uma prece, uma prece sem palavras ininteligíveis. Ninguém  a via. Acho que é muito transparente ver pessoas sem nada a perder ou a ganhar. O que as pessoas faziam era simplesmente dar à volta ao o corpo da pequena mulher que não  meditava sobre o dia de amanhã.
A rodoviária de minha cidade era o lugar daqueles que partiam e chegavam como todos os terminais; ela permanecia. Estava ali como uma estátua que representava o que a condição humana dizia a nós que esperávamos o ônibus: “ Permaneço, mesmo derrotada”.
Meu ônibus não tardou em chegar; a fila formou-se. Ela estava bem no meio da fila que se transia  como uma jiboia que havia engolido  a pequena mulher encolhida. Logo, todos estavam no ônibus em busca dos seus destinos particulares. E a mulher pequena ficaria como um dado  a menos de nossas distintas realidades.
Antes de sairmos dei a última olhada para fora da janela. Ela havia desaparecido! Só pude ver o bater das asas em busca do céu noturno fugindo das minhas vistas.  Ela estava satisfeita e voava para o seu ninho, com asas de anjo! Não acreditei. Voara para longe, para outra rodoviária em que pudesse ensinar, para outro como eu, que a transcendência operada pelo milagre de existirmos era procurar apenas um lugar onde pudesse recostar a sua cabeça?
Só ficou ali, como memorial da condição desumana, seus chinelos alinhados. Pássaros, agora sei, não precisam se calçar e estão sempre acordados, mesmo aparentemente dormindo...




                                       PORTAIS

Desprega as malhas que te aprisionam.
No socorro de um, ou mais, na honra devida.
Branco de vida de opções em teu corpo,
- Olha o céu - estrelou ainda a pouco a vida!

Refulge na santidade da semente.
Correndo como o gamo; luta como o urso.
O leão atravessará tuas cercas, não temas,
O rosto da fera está coberto de musgo.

Sitia a vida, ela está nas tuas mãos duras,
São geladas e prontas estão para a luta?
A batalha se fará em delírios e gritos,
Ao ressoar dos tambores sem rumores santos.




                                             V

Os exércitos.
Os exércitos.
Os exércitos.
Com faixas e touros,
Cantos de guerra e dor.

Olhos crestados e duros,
Nas faixas em bandeiras multicolor.







 
(volta)