Aniversário (crônica)
Em junho fiz aniversário. Completei 46 anos de idade. Quando eu era
adolescente, jamais, digo, JAMAIS, me imaginaria com essa idade, pois
quando se é adolescente tem-se a ilusão de que vamos estacionar,
estourando, nos 30, e que teremos essa abençoada idade eternamente.
Aí, não entendemos muito bem como
(eita engrenagem inexplicável, essa do TEMPO!), os anos passam feito
carros de corrida de Fórmula 1, e em um belo dia, eu acordo na minha
cama, meio atordoada, como sempre, e me lembro que é meu aniversário!
Como isso pode ser possível? Como, em nome de tudo que é mais sagrado,
posso ter feito 46 anos?
Pois é, mas fiz. E não adianta choramingar e nem se lamentar, pois essa
é o pior modo possível de encarar a situação. Tento me congratular, da
forma mais positiva que consigo, por ter chegado aos 46! Afinal, se eu
vivesse na Idade Média, em que a expectativa de vida era de 40 anos, eu
provavelmente já seria considerada uma anciã, com o pé na cova!Ou, o
que seria mais provável, eu já estaria morta! Sendo assim, temos que
concordar que tive muita sorte de nascer nesta época...
Mesmo porque tudo é relativo... Para minha espécie -
a humana - estou mais ou menos na metade de nossa ciclo de vida, mas
para uma baleia da Groenlândia, por exemplo, ainda estou na infância,
visto que esta espécie pode viver de 150 a 200 anos. E para a ostra
“Arctica Islandica” então sou recém-nascida,
já que ela pode viver até 400 anos! E ainda, se olharmos para o outro
lado do espectro e nos compararmos com nossos queridos cães, que vivem
até 15 anos, mais ou menos (dependendo da raça), somos muito, muito,
longevos... Já para uma mosca, devemos parecer imortais, pois ela pode
viver somente alguns poucos dias!
O que acontece é que os seres humanos nunca se
conformaram com suas limitações. Nós gostaríamos imensamente de
vivermos mais, de termos mais TEMPO. De preferência, gostaríamos mesmo
é de vivermos pra sempre! Creio firmemente que esta é a maior aspiração
da humanidade, e que talvez, um dia isso possa vir a acontecer... Mas
será que seria o melhor pra nós, como espécie?
Como nos comportaríamos se pudéssemos viver, por
exemplo, uns mil anos? Como administraríamos nossas vidas? Penso que
uma das coisas que teríamos que mudar seriam os relacionamentos...
Não
haveria sentido nos casamentos como hoje conhecemos, pois provavelmente
teríamos inúmeras uniões amorosas ao longo de nossas vidas (se a gente
já nem agüenta nosso companheiro por 20, 30, 40 anos, que dirá por uns
500!). A questão dos filhos também seria complicada: quantos filhos
cada pessoa poderia ter? Um, dois, no máximo? Qual o impacto disso para
o planeta?
Bem, penso que, ao chegar neste estágio de evolução,
a humanidade já teria conseguido superar as barreiras dos voos
espaciais de longuíssimas distâncias, e teria colonizado outros
planetas... Mas, resta uma dúvida: quem teria que deixar o nosso mundo,
quem poderia ficar? Seríamos uma sociedade humana
tal qual em Star Trek, espalhada pelo Universo? Vivendo centenas de
anos, nós, humanos, deixaríamos finalmente as guerras de lado, e
conviveríamos mais pacificamente como espécie? E se, finalmente,
entrássemos em contato com espécies extraterrestres inteligentes, como
reagiríamos, como isso mudaria nosso destino?
São realmente muitas questões... Creio firmemente
que a humanidade chegará neste estágio de vida, pois a Ciência vem
evoluindo continuamente, e vai continuar avançando a passos
gigantescos: por acaso não nos admiramos quase todos os dias com as
conquistas científicas que chegam ao nosso conhecimento? Não nos
maravilhamos com o que o Homem vem conseguindo realizar? É só nos
lembrarmos que o escritor Júlio Verne, no século XIX, teve a incrível
ousadia de escrever livros como “Vinte mil léguas submarinas” e “Viagem
à Lua”, livros estes que foram considerados em sua época como pura
ficção; sendo que anos e anos mais tarde tornaram-se realidade!
É, o TEMPO... Em nossas vidas atuais, vivemos reclamando que ele nos
falta, que ele nos é escasso... Principalmente - e vejo isso muito bem
agora, ao fazer 46 - queremos aproveitá-lo o melhor possível, queremos
realizar todos os nossos projetos que ficaram na esteira dos anos... É
uma corrida inglória contra a velhice chegando, contra a desilusão dos
sonhos que se perderam pelo caminho...
Penso com muito mais clareza do que na juventude,
minha mente está mais “afiada” do que nunca, e sei que o que mais
quero, realmente, é ter tempo de qualidade... É ter aquele tempo que
não se escoa tão rápido, tão fugaz, mas sim um tempo meio assim,
“desacelerado”, um tempo em que todo instante é de extrema
importância... Tempo degustado, apreciado, como uma deliciosa barra de
chocolate...
TEMPO para as coisas realmente importantes: pra
amar, pra curtir a família, pra ver minha filha crescer, pra viajar,
pra ler um bom livro, pra escrever, pra descansar à beira da praia,
olhando o mar azul...
Enfim, tenho 46 anos. Sou uma alma imortal – disso eu sei – mas esse corpo, quanto tempo ainda terá?
Não sei, e sinceramente, é melhor assim...
DESTINO
Talvez de um olhar não percebido
Tudo o mais pode ter-se originado,
Chama inconsciente de um sentido
Prestes estava a ser revelado.
Certamente em ambos estava o desejo
E a vontade latente da aproximação
Destino inexplicável, que formou o ensejo
Levando duas almas à união.
Quis realmente a alma que me anima
Depositar um beijo nos lábios teus
Sentindo que a ti ela se afina,
Correspondeste assim, a mudo e terno pedido
E com ânsia buscas os carinhos meus;
Com amor, nossas vidas terão sentido..
HAIKAIS
VIDA
A areia molhada
Engole meus pés descalços;
Brevidade da vida.
ANDORINHAS
No céu cinza voam
Andorinhas; desordenadas:
Crianças no parque.
SEMENTE
Semente é riqueza
Oculta; ainda latente...
Cultive a (se)mente
NA FILA
Estava
eu na fila de um dos caixas de uma loja de departamentos, aqui em minha
cidade, esperando pacientemente minha vez de ser atendida, quando, sem
ter o que fazer, comecei a prestar atenção em uma mãe e sua filhinha,
que estavam na minha frente.
A mãe, provavelmente com uns 30 a 35
anos, com os braços cheios de mercadorias (principalmente toalhas e
lençóis) com um ar resignado no rosto, ouvia o que dizia sua filha (um
verdadeiro “catatau”, com no máximo 1 metro de altura, franzina, uns 5
ou 6 anos):
_ Pois é, mãe, como eu ia dizendo, eu QUERO aquela toalha da Barbie – E continuou:
_ Cara, cara! Você só sabe dizer isso! E eu
por acaso não mereço? Quando é pra Isadora você compra! Pensa que eu
esqueci do fichário das Princesas que você deu pra ela? Ah, não esqueci
não! Portanto, eu QUERO a toalha da Barbie! – E colocava as mãozinhas
na cintura, extremamente certa do que queria.
A mãe, já meio constrangida (pois a fila
inteira começava a participar da conversa, querendo saber, é claro,
quem iria ganhar a pendenga), suspirou fundo e disse, firme:
_ Filha, não adianta, desta vez não vou
comprar o que você quer; quando a mamãe vier de novo na loja, eu compro.
E o arremedo de gente, com a cara mais séria do mundo:
_ Ah, então pode ser amanhã?
(Risinhos sufocados na fila. Uma senhora
, que estava atrás de mim, inconformada talvez com a “moleza” da mãe,
murmurou baixinho:
“_Ah, se fosse minha filha...” ( E eu, mais do que nunca, continuei atenta na pequena batalha entre as duas).
A moça do caixa chamou mais uma pessoa e
a fila andou, o que deu a oportunidade da encabulada mãe tentar por um
fim à conversa, ocupando-se de suas mercadorias, dobrando-as e
empilhando-as. Mas a menina, mais persistente do que nunca, puxou com
força a barra da blusa da mãe, e de cara fechada:
_ Mamãe, não adianta disfarçar não. Eu
não saio daqui sem minha toalha da Barbie! _ E ato contínuo à palavra,
sentou no chão da loja, “perninhas de índio”, disposta a tudo.
(Neste ponto, não só as pessoas na fila,
mas também as moças dos caixas não tiravam o olho da menina e da mãe.
Só faltavam correr apostas para ver quem ganharia aquela “singela”
disputa, e eu a imaginar se um dia, quando crescer mais um pouco, minha
filha também faria alguma coisa do tipo).
_ Filha, levanta do chão, vai sujar sua roupa!
E eu já falei que não, e pronto! – Disse a mãe, sem gritar ou
esbravejar - como, com certeza a maioria das pessoas já estaria fazendo
- mas sim com uma calma de dar inveja a Madre Teresa de Calcutá.
_Não levanto, não! Vou ficar aqui e fazer greve de fome!
(A vontade de rir foi geral. Uma caixa,
repentinamente sumiu embaixo do balcão, certamente por não conseguir
conter a risada.
A senhora atrás de mim balançava a cabeça, em sinal de negação, e
murmurava: ”O mundo está perdido mesmo, meu Deus... Onde já se viu...”)
Finalmente chegou a vez da mãe da menina, que
passou as suas mercadorias, conferiu o total, pagou e pegou duas
enormes sacolas, pronta para sair da loja. A fila toda parou, em
expectativa. O que iria acontecer?
A mãe, sacolas nos braços, olhou firmemente para a filha e disse:
_Bom, a mamãe está indo embora. Você vem
ou não vem? _ E sem nenhuma indecisão, virou as costas e foi saindo.
A pequena consumidora, sem nenhuma vergonha,
levantou-se num pulo e chamou: _ Espera
mamãe, já to indo! Mas na semana que vem você compra a toalha da
Barbie, não é? _ E saiu correndo atrás da mãe.
E posso jurar que a brava mulher, dando uma olhadinha para dentro da loja, deu uma piscada para nós.