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ESCRITORES


 


ANA RAQUEL FERNANDES

 


Nascida em 21 de junho de 1984, dia que marca o início do inverno, Ana Raquel Fernandes autointitula-se subversiva. Formada em Letras e Pedagogia, tem paixão pela profissão que a escolheu: professora. E professa em sala de aula e na vida o desejo de ainda ver seu país e o povo que ama transformados pela igualdade de oportunidades e pela educação.
Idealista, sonhadora, apaixonada pelas letras e pelo refúgio que elas podem representar, Ana escreve semanalmente para o Jornal Em Dia, numa coluna chamada Sub-versão. Aventura-se na prosa e na poesia e considera-se privilegiada por fazer parte dessa associação de escritores tão igualmente geniais e generosos, que a receberam com tanto respeito!



POEMAS

Palavras

Escondi, propositadamente, algumas palavras bem no fundo desse baú empoeirado, chamado alma. Vez por outra as alforrio e fico assim, em estado de contemplação, olhando-as. 
Ah... como são belas e assustadoras! Algumas, há que se olhar só de soslaio, a outras pode-se devotar o mais demorado dos olhares, e aquelas também a quem se pode desejar com os olhos, essas são as mais travessas. Mas todas, todas elas, se encantadoras, doces, pervertidas, más, atrevidas ou ordinárias, todas têm essa beleza incomparável, que só as palavras tem. É por isso, que vez por outra permito que os outros as contemplem, e é mesmo uma pena que tão poucos e raros apreciem esse sagrado exercício.



CARNE

Escrevo como um prisioneiro
A quem foi dado o privilégio de escrever sua última carta,
Desesperadamente,
Sem nexo e com vontade,
Com a precisão estranha que nasce da necessidade.

Porque pra mim, faz-se urgente escrever e isso me inquieta profundamente.
É quando então falo dos sonhos que tive,
Daqueles que ainda alimento,
Do meu idealismo besta,
Do meu amor mal compreendido e do meu ódio.
Das coisas que me faltam e do silêncio dessa ausência.

E é como se minha própria carne estivesse ali exposta,
Nua, frente a olhares dos mais variados.
Isso me constrange e me anula,
Porque e apesar de tudo,
Não, não sou minhas palavras,
E minha carne é muito mais tenra
Que um pedaço de papel.



Longínquo

Luzes de casas distantes
São promessas que não se cumprem
São ameaças de suicídio
Cartas de amor queimadas
Goles no escuro
Solidão
Impaciência e tédio,
Passos esparsos nas salas escuras.
Olhos desejosos, que não se fitam.

São luzes semimortas nos postes,
Só reticências amargas.



A máquina - contradições em série

- Como pode esta máquina regurgitar tanto?
Tanto hambúrguer,
E tanta insensatez;
Tanta batata frita,
E tanto ódio;
Tanta coca-cola,
E tanta sede;
Tanto catchup,
E tantos genocídios;
Tanto lanche feliz,
E tantas porções de crianças;
Tanta simpatia,
E tanta indiferença;
Tanta cortesia,
E tanta cólera;
Tantos alvos uniformes,
E tanta humilhação;
Tanto confeito colorido,
E tanta hipocrisia;
Tanto sorvete,
E tanta náusea;
Tanta calda adocicada,
E tantas lágrimas amargas;
Tanto plástico,
E tantos pretextos;
Tantos sorrisos,
E tanto lixo;
Tanto guardanapo,
E tanta sujeira.
- Como pode esta máquina engolir tanto níquel, e cuspir só pobreza?
E ainda...
- Quando tempo permanecerá a criança imunda com o rosto colado no vidro altivo, que separa e guarda estas desgraçadas delícias?
Provavelmente apenas o tempo de um segurança, bem vestido com seu terno de fantasia, e os bolsos vazios de proletariado, vir retirá-la dali.


 
(volta)