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ESCRITORES


 

Maria de Abreu

 


Natural de Bragança Paulista, Estado de São Paulo.
Graduada em Letras e Especialista em Psicopedagogia, atualmente reside em Manaus, capital do Amazonas, onde exerce a função de Coordenadora Pedagógica na Rede Particular de Ensino. Em 2012 publicou Confissão (Poesia), pela Editora Valer. Em 2013, publicou Menino Xicrim (Prosa) pela Editora Scortecci, além de participar de diversas Antologias. Dedica-se a eventos culturais, escreve poemas, haicais, crônicas e contos.





ELIZABETH BISHOP

Teus ossos, Elizabeth, estão brancos, opacos,
mas o inorgânico ainda não comeu o teu nome.

Teus ossos, Elizabeth, exalam o cheiro das gardênias
que alimentam o teu leito.

Vem, Elizabeth! A lua conspira a teu favor nessa
madrugada.

Vem, Elizabeth!

Vem juntar teus ossos, vem fazer teus versos!
Vem devorar a boca ávida da noite.

A primavera, Elizabeth, não virá jamais!




REALIDADE

De que me serve a metáfora?
Que faço com a antítese e a anáfora?
Onde devo colocar as alusões
E as ilusões?
De que me servem a filosofia
Os versículos bíblicos
A constituição?
O que tenho mesmo é de cumprir o horário
Trancar a porta, pagar as contas
E comprar o pão.



VÍCIO

BEBO ESSA PRAGA DE VIDA
TODO DIA
TODO DIA
E ELA ME VICIA
E A DESEJO CADA DIA MAIS
E MAIS AMARGA AINDA!



NINGUÉM MAIS FAZ AMOR

Os humanos tiram tudo dos outros animais do planeta. Tiram a pele para fazer bolsas, malas, sapatos, cintos e outras coisas. Tiram o leite – que seria destinado às suas crias – e o bebem, fazem cremes, queijos, iogurtes. Tiram-­lhes a carne e a transformam em bifes,  churrascos, assados, cozidos, hambúrgueres. Tiram-­lhes o colágeno para fazer gelatinas coloridas. Devoram-­lhes todo o corpo, nada escapa à fome dos humanos: comem as línguas, o fígado, os testículos, as tetas. Moem-­lhes os ossos para juntá-­los à ração com que vão alimentar novos animais prisioneiros.

Não satisfeitos, os humanos inventaram a inseminação artificial e tiraram dos animais até mesmo o prazer do acasalamento.

Enganam o touro com diversas técnicas e o fazem expelir o esperma sem tocar na sua vaquinha mimosa. Ele jamais sente o cheiro de sua fêmea, nem o calor ardente de seu sexo. O veterinário a imobiliza no tronco e introduz em seu útero uma fria pipeta com os espermatozoides do belo touro.

Ela engravida ou emprenha, este último verbo mais utilizado para a gravidez de animais não humanos. A fêmea emprenha sem jamais ter sentido a força de seu macho, o arroubo do desejo incontrolável de seu touro. Engravida sem satisfazer seu desejo de fêmea e, a ambos, touro e vaca, só lhes resta a frustração e a perplexidade causadas
pela violenta agressão humana aos seus instintos naturais.

Essa prática, nos dias atuais, torna-­se rotineira nos grandes e médios empreendimentos agropastoris, beneficiando os humanos que, assim, têm acesso a novos animais e com menos despesas. Não precisam mais de um touro, basta-­lhes comprar as doses de sêmen que o infeliz derrama nas pipetas. Melhoram a qualidade do rebanho destinado aos mercados de carne, leite e couro, economizando e enchendo seus bolsos à custa dos inocentes animais.

Nossos irmãos “irracionais” nem têm a possibilidade de tratar-­se dos infortúnios da frustração, da depressão e da invasão pessoal que sofrem durante a vida. Não há, ainda, terapias para eles. Ainda não há psicólogos, psicanalistas e psiquiatras disponíveis para o coração e a alma dos animais. São apenas “ usados e abusados” pelos humanos, sem dó e sem piedade. Em algumas “ granjas mais modernas” oferecem música clássica para explorar melhor os animais e não para simplesmente agradá-­los. Dizem que as vacas produzem mais leite quando ficam tranquilas, ouvindo Chopin.

Há, no Brasil, um touro chamado Fajardo que já tem 100 mil filhos e continua virgem! É um mero exemplo, pois há inúmeros outros machos nessa mesma situação. As vacas ficam grávidas e, perplexas, devem se perguntar umas às outras: “ Maninha, como fiquei prenha se nenhum touro gostoso me pegou? ”

E os ursos panda? Também estão nascendo em cativeiro através de inseminação artificial. Os machos adultos e suas fêmeas nem sonham mais com o delicioso namoro, a paquera instigante, as disputas amorosas. Imagine! Para quê? A inseminação resolve tudo! E lá estão os fofos ursinhos, brincando felizes, filhos das pipetas. Quem é o papai? Sabe-­se lá... E mamãe panda engravidou sem saber como! Nenhum ursão a cheirou, nenhum ursão a beijou, nenhum ursão fez amor com ela!!!!

Em tudo nos metemos e, em nossa ânsia de ver apenas utilidade nos animais, acabamos por privá-­los de tudo: da natureza, do sol, da chuva, do namoro, do amor sexual, enfim, da vida.

Pobres touros e vacas, pobres ursos, pobres camarões, peixes, carneiros, porquinhos...
A vida natural de todos está completamente invadida e tecnicamente alterada por nós, humanos. E temos esse direito por quê? Seria porque nos consideramos os reis da Criação Divina?


 
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