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RESSURREIÇÃO

 

Fabio Siqueira do Amaral

 

Por que questionar sobre a inocência do outono,
que despe com o beijo de prazer ainda morno,

troncos torneados do arvoredo em festa,
alegrando a terra com a estação que a cerca?

Deixará de haver poesia, tão suave como a brisa,
a provocar mil delírios na alva areia que alisa,
se a folha esmaecida, se desliga de seu ramo
e busca noutro canto, novo tipo de acalanto?

A folha, agora seca, recolhida da poeira,
entre páginas do velho livro repousa prisioneira,
marca o poema que embeveceu duas almas,
nas primaveris manhãs e tardes de juras e de esperanças.

Porém...

Hoje, também separadas, choram distantes, solitárias,
e revivem do outrora, suas infindáveis lembranças.

 Vês, poeta amigo?
Até na reminiscência sombria
a poesia brota serena e inebria,
eleva o navegador sem vida

– eterno périplo sem norte –
e transmuda a emoção sofrida,
que ressurge muito além da morte!

Reina, portanto, a poesia nos atos e fatos:
na terra que se doa em seiva e tira do caule a ansiedade;

nas pragas que devastam um pouco, mas sustentam as aves;
nas saúvas cortadeiras, tão unidas, em perfeita sociedade.

Todavia, cessa toda poesia
na ruptura inatural da mudança
da primavera em outono

ao verão do inverno
emudecendo a própria emoção pura
e criando lágrimas do sofrimento eterno.

Aí então:

Penso!
Medito!
Reflito!

São tão malditos os pais que geram a morte,
fazendo filhos que abandonam à sorte,

como maldita também é a canalha governante
a babar falácias e demagogias enervantes!

Entretanto, acredito eu...
Quer no cio do irresponsável,

quer na pseudo democracia,
pode ainda nascer poeta
que tenta cantar poesia!



 
(volta)