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ESCRITORES


José Carlos Chiarion


“Doces” lembranças da infância

 

                        Notamos com uma certa nostalgia que o tempo, como um sorvedouro, devorou o entusiasmo e o encanto daquela fase que marcou nossa cidade até fins da década de 40. Isso nos ocorre quando vemos Bragança Paulista crescendo em todos os sentidos e voltamos nossas vistas ao passado em busca dos costumes daquela época que nos trazem grandes recordações.

                        Naquele tempo, as senhoras e senhoritas, donas de casa, eram orientadas por suas mães a esmeravam-se na culinária, principalmente no feitio de doces e licores, que eram servidos por ocasião das visitas de parentes e amigos, o que era muito comum naquela época.

                        Havia também excelentes doceiros, que faziam da arte da confeitaria o seu comércio. Frutas e açúcar na medida certa rendiam delícias sem nenhum tipo de conservante.

                        Lembro-me bem, que na Praça Raul Leme, ainda Praça José Bonifácio, ao lado de onde hoje se localiza uma Loja de Sapatos, situada na esquina com a rua Exp. Basilio Zecchin Jr., havia um barzinho, de propriedade do senhor Antônio Nardy, mais conhecido por “Totó”, excelente doceiro, em cujo estabelecimento era vendido doces carinhosamente feitos por ele e sua esposa Dna. Jacintha. Doces de abóbora, batata roxa, bem como os pudins e queijadinhas ali fabricados eram apreciadíssimos e tinham enorme aceitação por parte dos moradores de toda a área central da cidade.

                        Recordo-me muito do Salustiano, que residia com sua esposa, dona Adélia, numa casa sita no quarteirão final da Rua Coronel João Leme. Dona Adélia fazia uma deliciosa geléia de mocotó, que era vendida por seu marido, em copos de vidro que eram colocados dentro de uma cesta, coberta com uma toalha imaculada e, junto à mesma, trazia colherinhas que eram emprestadas àqueles que desejavam saborear o produto de imediato, na presença do vendedor. Tinha ele sua freguesia certa, que era visitada diariamente.

                        Havia um estabelecimento comercial, de propriedade do sr. João Bretas, no qual eram fabricadas balas de mel, de chocolate e de outros sabores e deliciosos rebuçados (balas às quais se acrescentam essências de frutas ou de plantas, e que são embrulhadas em papel), bem como doces de várias qualidades, entre os quais o famoso “doce de leite”. O local de fabricação e vendas de seus produtos era numa casa situada no lado par da Rua Direita, hoje Rua Dr. Cândido Rodrigues, quatro ou cinco casas abaixo da esquina da atual Rua Dr. Antônio da Cruz. Houve uma época que o “seu” Bretas mudou-se para a Rua Coronel Osório e ali, semanalmente, dna. Placidia Rosas, minha professora no 2º ano do Grupo Escolar, mandava um de seus alunos comprar balas, as quais a mestra colocava em um vidro com tampa para, mais tarde, serem distribuídas aos seus alunos como um agrado. Com um mil réis vinham 100 balas, que davam para encher o recipiente onde as mesmas ficavam guardadas para não amolecer.

                        Na mesma Rua Direita, defronte ao prédio onde hoje se situa o Banco Bradesco, existia um empório do sr. Arauto Vilaça cuja esposa, dna. Geny era especialista na fabricação dos doces que os antigos chamavam de “doces de caixeta”, ou seja, goiabada, marmelada, pessegada e bananada que eram vendidos em embalagens de 1 quilo e de 5 quilos.

                        Os doces eram feitos em enormes tachos de cobre, em um fogão de lenha construído num ranchinho no quintal. Depois de prontos e ainda quentes, eram colocados nas caixetas, que antes recebiam um papel impermeável colorido, para que o doce não grudasse nas embalagens.

                        Os caldos de marmelo e de goiaba retirados das frutas eram aproveitados para fazer deliciosas geléias, também apreciadíssimas na época.

                        Quando menino, freqüentei muito a casa do Arauto, (que era primo de minha mãe), situada na parte de trás de seu armazém, pois ali eu ia buscar, junto aos seus filhos Tilpheu e Rubens, gibis e outras revistas que eu lia com grande interesse.

                        Depois de alguns anos, o Arauto adquiriu a Padaria Progresso, que ficava na Rua Coronel João Leme, ao lado da atual Casa Muniz, onde dona Geny continuou a fabricar seus inigualáveis doces. No imenso quintal da Padaria eu brinquei muitas vezes enquanto dna. Geny preparava seus doces, quando nos obsequiava com seus deliciosos quitutes, os quais eu saboreava com enorme prazer.

                        Na Rua Conselheiro Rodrigues Alves, perto do Largo das Pedras, residiam o sr. Luiz Bertini, mais conhecido por “Luiz engomador” e sua esposa dona Mariquinha, os quais faziam doces para todas as festas. Nos casamentos, batizados, bodas ou aniversários, eram procurados para fazer as “mesas de doces”, uma vez que naquela época não existiam os atuais “buffets”. Geralmente aos sábados, via-se passar pelas ruas centrais da cidade, um homem com um grande tabuleiro na cabeça levando os pratos de doces feitos pelo Luiz “engomador” e que seriam servidos na festa ou no “banquete” comemorativo de um daqueles eventos.

                        Na Rua da Palha, depois Rua da Independência e atual Rua Cel. Assis Gonçalves, abaixo do atual Palácio Episcopal, numa casa onde hoje se localiza o “Despachante Cena” existia uma quitanda de propriedade do sr. Manoel Cassim o qual, com sua esposa dona Martiniana, faziam deliciosos doces de batata roxa, de abóbora e um doce especial de banana, os quais não chegavam para as encomendas. Vendiam também frutas além de abóboras, morangas e mandioca, que tinham grande procura.

                        Em frente à minha casa, na Rua do Comércio, hoje, Rua Cel. João Leme, residia o advogado Genésio do Amaral e sua esposa dona Carolina. Ambos já tinham avançada idade e dona Carolina fazia deliciosas balas de ovos. As encomendas eram muitas e a dona Carolina vendia “por receita”, isto é, cada receita que fazia era para uma freguesa. Após a morte de seu marido, continuou ainda por muitos anos a fabricar sob encomenda, as suas excelentes balas.

                        Dona Carolina era uma pessoa muito boa, porém guardava a sete chaves a receita de suas balas de ovos. A balança com a qual pesava o açúcar e os ovos que usava na fabricação das balas, ficava guardada em seu quarto, no qual ela se fechava para preparar os ingredientes das deliciosas balas de ovos, para que ninguém ficasse sabendo o seu segredo. Quando morreu, levou para o túmulo a receita dessas balas de ovos, a qual não revelou nem mesmo à sua única filha.

                        Esses foram alguns doceiros de meus tempos de criança. Muitos outros doceiros existiram e ainda existem na cidade, porém, fica aqui registrado, para que sempre sejam lembrados, os confeiteiros do passado, a quem tributamos nosso preito de gratidão e que pelo seu dignificante trabalho, têm um lugar reservado na história de nossa terra.