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ESCRITORES


Sérgio Salomão


Uma hora depois ela foi atendida. Dr. Valdir a examinou. Mesmo com tantos pacientes para atender, ouviu a história do casal, pacientemente.
Disse que a criança estava bem e já posicionada para o parto. Não havia dilatação e o parto deveria acontecer dentro de 5 ou 6 dias. Poderiam voltar na segunda-feira e se continuasse sem dilatação, poderia ser feita uma cesariana. As dores que sentia poderiam ser gases, cólicas ou até o longo período sem alimentação.
Receitou umas gotas de medicamentos contra cólica e gases, ministrados por uma auxiliar de enfermagem. Novamente os agradecimentos. Ele, com o seu tira e põe o chapéu e ela com dezenas de "Deus lhes pague, doutor SUS".
Antes de sair, perguntaram as horas. Faltavam 15 minutos para às seis. Onde moram, não há esse negócio de 18 horas. O único ônibus para a cidade do casal partia às seis da tarde. Tinham 15 minutos para chegar até a rodoviária.
Saíram apressados. Andavam em fila indiana. Ele na frente e ela atrás, sempre com as mãos segurando o ventre.
Ao chegarem no Lavapés, a jovem que parecia não ter mais que 15 ou 16 anos, voltou a sentir dores.
Andara rápido demais para o seu estado. Não conseguia mais caminhar. Era o seu primeiro filho. As outras crianças que tinha em casa, eram de seu marido, viúvo. Sua mãe, dona Ana, ficou cuidando delas.
Não sabiam se era um menino ou menina. Ultra-som lá na cidadezinha era um equipamento desconhecido.
Sentaram-se por alguns minutos em um banco da Praça da Bíblia. Nem sabiam que esse era o nome da praça. Se o ônibus partisse, teriam que ficar em Bragança, sem dinheiro e sem ao menos uma troca de roupa.
Com o efeito dos medicamentos, as dores logo passaram. Quem sabe o ônibus não atrasara? Caminharam até a rodoviária. Ela não mais conseguia andar depressa. Tudo em vão. O ônibus já havia partido.
Sentaram-se em um banco, na plataforma de embarque. Ela chorava. Ele disfarçava as lágrimas. O que fazer? Dormir na rodoviária?
Lá pelas tantas, já tarde da noite, foram abordados por um segurança. Disse-lhes que estava na hora de fechar e que não poderiam ficar ali. Ao ouvir rapidamente a história, disse-lhes que no Lavapés havia pensões. Poderiam ficar lá até as 18 horas do dia seguinte, horário do único ônibus que podiam tomar.
Se fossem para uma pensão, como pagar as passagens de volta? O marido, perguntou ao segurança se não havia um local onde pudessem pernoitar, sem nada pagar.
— Talvez a Promoção Social resolva o problema de vocês. Não custa tentar. Vocês ficaram livre do relento e dos perigos da noite.
Em seguida, explicou onde ficava. Precisariam andar 3 ou 4 quilômetros para chegar até lá. Meia légua, pensou o marido.
A jovem já franzia o rosto, como se sentisse dores novamente.
Ao saírem da rodoviária, acompanhados pelo segurança, surgiu a gerente. Veio fechar o movimento do dia. Perguntou ao segurança o que se passava. Ouviu uma rápida explicação e ao mesmo tempo um pequeno "ai" da jovem grávida.
Pediu que aguardassem alguns minutos. A jovem não poderia ficar caminhando por longas distâncias e ainda sentindo dores. Levaria o casal em seu carro até a Promoção Social.
Retornou em alguns minutos. Trouxe um pacote de bolachas recheadas e dois chocolates. O casal, já no carro, devorava os alimentos.
Chegaram à Promoção Social. O encarregado do plantão, sr. Mauro, atendeu por uma porta lateral. Dona Branca, a gerente da rodoviária, expôs o problema. Mauro fez alguns telefonemas. Voltou e disse-lhes que o albergue no Maranata estava lotado. Não havia lugar para o casal pernoitar.
Dona Branca, bem ao estilo de uma executiva, exigiu uma solução imediata.
Mauro foi novamente ao telefone. Minutos depois voltou e informou que o único local possível, era na sede da Guarda Municipal e que o comandante autorizara o pernoite. Enviaria uma viatura para apanhá-los, caso desejassem.
Dona Branca agradeceu a oferta. Queria acompanhar o caso até o final. A jovem tentava disfarçar os gemidos, de tempos em tempos.
Ao chegarem no pátio da Prefeitura, os dois guardas de plantão, João Batista, um loiro de cabelos encaracolados e Ayala, um árabe-mineiro que não deu certo no comércio, já os aguardavam. Dona Branca deixou o número de seu celular para qualquer emergência. Já passava da uma hora da manhã.
Antes de entrar no seu carro, ela olhou para o céu. Bem a pique, entre as nuvens, uma estrela brilhava mais que as outras. Não deu importância.
Enquanto isso, os guardas serviam café com leite e bolachas ao casal. Na sala ao lado, um colchonete e um sofá seriam suas camas. Uma outra porta dava acesso ao banheiro, com sanitários, pia e chuveiro.
O casal se acomodou.
Dona Branca teve uma noite mal dormida, cheia de pesadelos. Na manhã seguinte, antes das sete da manhã, voltou à Prefeitura.
Ao chegar, uma surpresa. Não eram mais dois os "hóspedes" da Guarda. Eram três. Uma bela criança, com os cabelos encaracolados, rodeado pela mãe, pelo pai e pelos guardas João Batista e Ayala, dormia tranqüilamente.
Estava acomodada em um cocho indígena, encontrado anos atrás e esquecido na sede da Guarda, envolto nos casacos dos guardas.
Dona Branca, de imediato, lembrou-se da noite anterior, lembrou-se da estrela brilhante no céu.
Intrigada, perguntou se a criança era menino ou menina.
— É um menino, respondeu o guarda João Batista.
— Qual o seu nome, perguntou ao pai.
— José, respondeu o senhor. Mas pode me chamar de Zé.
Repetiu a pergunta à jovem mamãe.
— Maria, respondeu ela.
— De que cidade vocês vieram?
— De Nazareno, perto de São João Del Rei.
Um pouco assustada, dona Branca perguntou se já haviam escolhido o nome do garoto. Maria respondeu:
— Pensamos em batizá-lo José. Seria uma homenagem ao meu esposo. Só que iriam chamá-lo de Zezinho ou de Júnior, pela vida toda. Perguntamos aos guardas qual o nome do prefeito. Disseram que é Jesus.
Lembramos que quem nos atendeu na Santa Casa foi o doutor SUS. Em homenagem aos dois, vamos batizá-lo "JESUS".


(volta)