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ESCRITORES


Sérgio Salomão

Falecido em 21/02/2019

Sadan é o pseudônimo utilizado por Sérgio Salomão. Nasceu em 1948. Sua mãe morava em Pedra Bela-SP e era a única parteira do local. Teve que nascer em Bragança Paulista. Para fugir dos norte-americanos, foi registrado em Munhoz-MG.
Foi professor no Ensino Médio e Superior, na área de Exatas, no período de 1971 a 1986.
Aos 9 anos de idade, teve seu primeiro texto publicado na mídia impressa.
Em 1991 começou a escrever regularmente para jornais. O Professor Sérgio Salomão e seu personagem Sadan começaram ao mesmo tempo. O primeiro escrevia uma coluna econômica, bastante séria e seus indicadores eram utilizados por leitores e até pelo Poder Judiciário.
Seu "isótopo" Sadan era um personagem anônimo, falava na terceira pessoa do singular, bem humorado, irônico e ao mesmo tempo sério, investigativo e denunciador. Sadan também participou de Telejornais, com crônicas semanais.
Em 1994 a identidade secreta de Sadan é revelada e os personagens se fundem. A economia do País se estabiliza e o Professor deixa de escrever. Só Sadan permanece "vivo".
Escreveu por dois anos na Folha Popular, mais dois no "A Voz de Bragança" e há nove anos escreve uma coluna bissemanal no Bragança-Jornal Diário.
Colabora com diversos jornais e revistas e está na Internet nos sites www.uol.com.br/BJD e www.colunadosadan.hpg.ig.com.br, a pedido de bragantinos que residem fora de Bragança.

email: colunadosadan@terra.com.br
email: colunadosadan@horizon.com.br





JESUS NASCEU EM BRAGANÇA...


Eles vieram da zona rural, dos arredores de uma pequena cidade mineira.
Chegaram em um ônibus velho, quase uma "jardineira", no meio de galinhas, patos, leitões, cabritos e toda a sorte de animais. O ônibus parava de meia em meia hora. Novos passageiros, novos patos, novas galinhas e até um cachorro.
Estavam mais cansados do que um dia na roça, sob um sol à pique. O casal contrastava. Ele, de cabelos já grisalhos e rosto marcado pelos anos. Ela, uma jovem, adolescente, com uma barriga imensa. A criança poderia nascer a qualquer momento.
Antes da viagem, foi atendida no Posto de Saúde da cidadezinha. Eram só pequenos atendimentos. Os casos mais complexos eram encaminhados para cidades maiores. Pré-natal? Nunca ouviram falar.
O médico constatou riscos. A criança não estava na posição correta para o parto.
A responsável pelo posto tentou vagas em hospitais em São João Del Rei, Lavras e Varginha. Só nesta última havia uma vaga pelo SUS. O medo do "ET" de Varginha, que perdura até hoje, fez com que a longínqua Bragança fosse escolhida.
Era uma quarta-feira, 24 de dezembro. O marido lembrou-se que também poderia ter trazido algumas galinhas para vender. Tantos outros trouxeram animais. Com a esposa doente, esquecera-se disso.
O dinheiro, emprestado pelo prefeito, só dava para as passagens de ida e de volta.
O ônibus parou na rodoviária nova, nas proximidades do Bosque dos Eucaliptos. O marido procurou informar-se sobre onde sua esposa poderia ser atendida.
Um vendedor de bilhetes disse-lhe que poderiam procurar a Santa Casa ou o Bom Jesus. Disse também que a "Faculdade" não mais atendia casos de baixa complexidade. Eles nem sabiam o que era isso.
Perguntado sobre como chegar a um desses hospitais, o vendedor, olhando para a barriga da mulher, recomendou que tomassem um táxi. Eles agradeceram e saíram do prédio.
Não havia dinheiro para um táxi. Quem sabe um ônibus circular poderia levá-los. Depois, uma boa alma poderia completar o valor das passagens de volta. Pergunta aqui, pergunta ali e ninguém soube responder onde tomar um ônibus para chegar ao Bom Jesus ou à Santa Casa.
Um taxista de plantão sugeriu que fossem a pé. A Santa Casa não ficava longe. Indicou o caminho até o Lavapés e recomendou que subissem uma ladeira chamada Barão de Juqueri.
No trajeto, a jovem começou a sentir dores, intermitentes. Chegaram ao Lavapés. Não sabiam onde ficara a tal de Barão. Avistaram um senhor que puxava uma espécie de carroça, cheia de papéis, papelões, latinhas e garrafas plásticas. Eles já tinham visto carroças, só que puxadas por cavalos ou burros. Orientados pelo tal de "Tixa", encontraram a Barão de Juqueri e subiram. A fome doía.
Estavam apenas com um café, misturado com farinha de milho, em canecas de lata.
Finalmente chegaram no prédio indicado. Entraram. Para eles, um luxo.
O marido dirigiu-se à recepcionista e disse que precisava de uma consulta para a esposa. Veio a clássica pergunta:
— Particular ou plano de saúde?
— Somos pobres, respondeu.
A atendente, a esta altura já com pressa, disse-lhes que ali era a Pronto-Clínica. Deveriam subir mais um pouco, virar duas vezes à direita, descer um pouco e encontrariam o portão da Santa Casa.
Lá, seriam atendidos pelo SUS.
Obedeceram e recomeçaram a subida. Ao chegarem na esquina, um cheiro de pão saído do forno e de um café fresquinho. Era uma padaria do outro lado da rua. A fome continuava doendo nos dois.
A bocas salivaram.
Pararam. Da calçada, em silêncio, olhavam para a padaria. Jayme, o dono, apareceu na porta. Sempre atento com o que se passa nas redondezas, notou aquelas pessoas simples, roceiros. Atravessou a rua e perguntou o que desejavam.
A jovem, com aquela barriga enorme, fugiu do costumeiro silêncio. Disse que vinham de longe e que estavam indo para a Santa Casa, onde seria atendida pelo "doutor SUS". E continuou falando. Disse que estavam sem comer há mais de dez horas. Que não tinham dinheiro para um sanduíche ou para um café. Que o marido trabalhava com madeira, cortando lenha. Que as compras só podiam ser feitas no armazém do patrão, onde estavam sempre devendo. Que o único dinheiro que tinham só dava para as passagens de volta.
O marido olhava e ouvia assustado. Nunca a vira falando daquela maneira. Sempre calada, parecia aceitar tudo com resignação.
— Pode parar, disse Jayme.
Colocou um braço sobre o ombro do homem, esticou uma das mãos para a mulher e atravessaram a rua.
Serviu-lhes café, leite e muitas fatias de panetone.
O marido tirava o chapéu, colocava o chapéu, tirava o chapéu, colocava o chapéu, naquele gesto simples e caipira de agradecimento.
Ela disse apenas um "Deus lhe pague". Só que por uma dezena de vezes.
Saíram. Ao atravessar a rua, quase foram atropelados por um daqueles malucos que fazem da rua Barão de Juquery, entre o Lavapés e o Rosário, uma verdadeira pista de corrida. Não bastasse, foram xingados de caipiras e ouviram outros impropérios do mal-educado motorista.
Entraram na Clemente Ferreira, dobraram a Assis Gonçalves e desceram.
Chegaram no Pronto-Socorro. Lotado. A maioria gente simples, como eles.
A atendente, mesmo com a aparente pobreza do casal, ainda perguntou:
— "Particular, convênio ou SUS?"
— SUS, respondeu o marido, lembrando-se das palavras da outra moça.
Após a confecção da ficha, a atendente pediu para que aguardassem. Não havia nenhum lugar vago nas cadeiras. Uma senhora idosa, perto dos 80, vendo o estado da jovem, cedeu-lhe o lugar. E havia muitos jovens no local.



(volta)