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NOSSA SAUDADE


Maria Siriani Del Nero


Falecida em 01.04.2004.
Sócia fundadora da ASES e integrante da Orquestra Sinfônica de Bragança Paulista desde 1948. Graduada em Letras, com especialização em Literatura Brasileira e Semântica. Possuía curso completo de Música ( violino, teoria musical e matérias correlatas) pelo Conservatório Musical Carlos Gomes, de Campinas-SP.

HAICAIS

Ipê amarelo
Agora tornou-se verde.
É bem brasileiro !

Lilás é a rosa
Do meu jardim encantado.
E há outras também.

Papel perfumado
Escondido na gaveta
Tem versos de amor !

Mulher na janela
Vê um beija-flor voando.
Eis um arco-íris !

O copo de leite
Vive olhando o luar.
Quer galgar o céu !



A MULHER DO BALDE Na plataforma do Terminal Rodoviário de Campinas, eu esperava o ônibus para a minha cidade. Nos bancos sentavam pessoas e malas. Uns andam, outros passeiam, outros comprando água ou sorvete. Ou tomam cafezinho nas lanchonetes.
A fila do pão de queijo torna-se movimentada, à medida que o cheiro do assado se expande pelo ar.
Desci as escadas para o piso inferior, de onde parte o meu ônibus. Lá vem uma mulher humilde, segurando um balde branco. Anda olhando para o objeto que segura. Parece que fala com ele. Olhar vago, misterioso, passivo.
A princípio, não ouvi bem, mas quando passou por mim, compreendi ser um monólogo. Conversa séria ou prenúncio de doença nervosa? Ou desvario de algum sofrimento? Quem sabe?
"Você é meu amigo, está sempre a meu lado. Nem pesa quase...Só quando carrego água para o barraco.
Estou só neste mundão...Meus filhos morreram. Fiquei sozinha, sem pensão, sem casa, sem nada. Não tenho futuro. Ás vezes, choro. Outras vezes, grito, quando estou com o estômago vazio e sem comida.
Peço um ajutoriozinho, aqui, ali. Já me xingaram, amigo! O barraco está caindo. Se chover forte, não sobrará nada. Encontrei um lugar para nós. Não sei se você vai gostar, porque é escuro e feioso. Mas dá para viver, como rico não! Lugar bom e de graça...Vou contar-lhe onde fica esse lugar. É num buraco do viaduto e tem um lugarzinho para você, também. Há mais gente morando lá...Vão gostar de nós, certeza!
Balançou o balde, acarinhou-o como se fosse um bebê, desceu o degrau da plataforma, virou a esquina e sumiu na avenida.
Nunca mais a vi, nem sua sombra.
A vida tem tantas surpresas. Se não há amigos de carne e osso, há baldes que os substituem!
Isto é um instantâneo do Brasil que ninguém vê – O Brasil pobre, o Brasil carente de tudo!



O PINHEIRO

Quando visitei o Estado do Paraná fiquei fascinada pelos verdes pinheirais. Então, imaginei uma estória assim:
Os curumins ouviam atentos as estórias do velho pajé, na aldeia dos pataxós, acocorados em torno da fogueira, sobre a qual haviam restos de frugal refeição comunitária.
O pajé Rumi, avelhantado pelos anos, conhecia todos os rios e matas daquele rincão paranaense.
Contava ele que Tapir, um índio pataxó, saiu à caça, varou as matas e não encontrou nenhum animal para alimentar a aldeia. Bebeu água na concha das mãos e dormiu. Sonhou que estava numa floresta de grandes árvores desconhecidas para ele, cujos galhos arqueados se elevavam aos céus, à semelhança de gigantescos castiçais.
Gralhas fizeram ninhos nos côncavos dos galhos. Vieram homens brancos, de longe, e alojaram-se nas terras dos pataxós. Houve luta sangrenta entre branco e pataxó. A terra se umedeceu com o sangue derramado, mais que orvalho em noite enluarada. E tornou-se fértil. Produziu uma árvore cujos frutos alongados, de um vermelho-castanho, que tapir provou e apreciou.
Levou para a aldeia os frutos desconhecidos, abasteceu as cumbucas por vários dias.
Os posseiros, vingativos, abateram as árvores de galhos arqueados, abandonando-as ao sol e à chuva. Aquelas árvores eram os pinheiros que pediram ao Deus da Natureza uma boa sorte – a de resistir à intempéries.
Se a pedra é útil para o índio, a árvore também.
Tapir acordou e viu um casal de gralhas azuis. Elas se achegaram a Tapir, ficaram amigos e prometeram-lhe ajudar na proteção às árvores.
Os homens brancos voltaram para buscar matéria-prima para as fábricas. Cortaram os pinheiros em partes, levaram-nas em jipes. Manufaturaram e fabricaram o papel. E também esta folha na qual escrevo para você ler.
Então, os pinheiros agradecidos, ao crescerem, elevaram os galhos para o alto e leram, no livro da Natureza, os segredos que ela guarda, misteriosamente!






(volta)