CRESCER COM E NA ADVESIDADE

          Sempre quis escrever sobre este fato ocorrido, mas a angústia sempre me travava: a história é que num belo dia de manhã, há alguns anos atrás, o João, meu marido, dirigia sua Elba Weekend pelas rodovias rumo ao seu trabalho, em Mogi Mirim, onde era consultor empresarial. Era um dia de fina chuva, quando de repente, quase próximo ao local de chegada, ouviu um barulho no vidro frontal, e em seguida este trincou-se todos. Ele já estava pensando em como fazer para chegar ao local, visto que a visão estava embaçada e pensou inclusive em parar, para, eventualmente, passasse algum conhecido daquela região - ele encostaria o seu carro e iria buscar mecânico. Mas o espaço entre o pensamento e ação seguinte, foi mínimo: ouviu-se o barulhão e os pedaços de todos os vidros do carro estilhaçaram-se, e, inevitavelmente, o carro, impulsionado pelo vento frio de fora e o ar aquecido de dentro, tomou impulso e "voou" para o barranco em direção contrária à que ele se dirigia. Era um enorme eucaliptal, cheio de árvores, onde milagrosamente o carro não bateu frontalmente com nenhuma delas: apertou-se entre duas árvores de grande porte. Cremos que teve um súbito desmaio e quando se deu por si, em seu colo estavam abertas algumas trovas que dias antes eu fizera, e ele levava consigo, pois eram temáticas de religião, fé, confiança, e também uma bonequinha cantante (estas coisas estavam dentro de sua maleta), disparou a cantar "Para ser feliz é preciso ver, neste céu azul, esta imensidão, é fazer das tristezas estrelas a mais e do pranto uma canção...). Rapidamente o João tentou sair, as portas estavam travadas, e a porta traseira do porta malas meio aberta, ele forçou, ainda sob efeito de fortes dores e saiu, somente com a pasta e celular na mão. Ligou para casa, meu filho de 14 anos atendeu, ele pediu que ligasse a mim, na escola, mas não quis dizer como estava, apenas que sofrera um "pequeno acidente" com o carro, mas que não preocupasse a irmã menor, pois já estava tudo sob controle. Dito isto foi se arrastando já com a patela esmigalhado, contusões na coluna e olho com estilhaços, rumo ao barranco oposto, já completamente sem rumo, repetindo apenas os versos da trova. Mal chegou à ribanceira, um jipe velho, de um agricultor, levou-o ao hospital daquela cidade onde recebeu os primeiros socorros, mas precisava urgente sofrer cirurgia, para tentar recuperar o joelho, que doía excessivamente. Quando cheguei em casa, meu filho foi dizendo: Mamãe, papai bateu o carro, disse que ficasse tranqüilo, mas acho que ele está meio mal, pois liguei para o seu celular e parece que ele está cansado. Imediatamente liguei e o som que ouvi, apavorou-me: Céus, o João teve um enfarte, respiração entrecortada com gemidos... Liguei à empresa para onde ele se dirigia e a secretária tratou de me acalmar, dizendo que ele já ligara a caminho do hospital e o dono da empresa para lá se dirigira, para fazer os primeiros atendimentos e em seguida removê-lo a Bragança, onde preferia ser operado. Mal acabei de desligar o carro do motorista da Empresa estacionara, pedindo-me que o acompanhasse ao Hospital São Francisco, no que procedi imediatamente, sem deixar que a menor o visse naquele estado: sangrento e gemendo de dores. João segui para o Ambulatório de Ortopedia, com meu filho e o motorista.
          Ao subir os degraus da escadaria do prédio central (fui buscar ajuda de nosso amigo reitor, para que o atendimento fosse agilizado, e eis, que me esbarro na escadaria com o próprio, que saudou-me: Olá, Ana, como vai? E o João? Sem voz, respondi-lhe que o João sofrera um acidente e se encontrava na Ortopedia. Imediatamente ele passou sua pasta ao segurança, tomo-me pelo braço, como apoio, pois viu que eu estava branca feito lençol, subimos uma escadaria externa de uns setenta degraus, e, diante do João, o Frei nem teve tempo de perguntar, pois o João exclamou: Frei, preciso de ajuda. E ele, "Mas é claro que sim, João" e dirigindo-se a meu filho: "Dá para empurrar esta cadeira até a porta em frente? O Júnior disse que sim (pois sempre foi corajoso igual ao pai), dispensamos o motorista, e, minutos após, o João já estava hospitalizado e fazendo exames para ser operado, no dia seguinte, bem cedo. À noite, levamos a Katiane para vê-lo, e em lá chegando encontramos o Frei Luís , que fazia as visitas aos hospitalizados, ela perguntou-lhe chorando "meu pai vai morrer?" "Claro que não, respondemos todos, o João pré sedado pelas dores abraçou-nos e fomos para casa dormir, com ele ficaram enfermeiros e médicos amigos. Noite pior que aquela não vivemos: não dormiam as crianças, eu me esforçava pra tranqüilizá-los, enquanto o dia seguinte não chegava. E logo bem cedinho, estávamos na capela do Hospital Franciscano, rezando pelo João. Ao voltar da cirurgia, bastante delicada, pois não foi possível reconstituir a patela, recebeu prótese, remoía-se em dores, quis levantar-se, precisamos amarrá-lo, pois enorme do jeito que é, ninguém conseguiria segurá-lo. Mais alguns dias, o sofrimento atenuou, em casa armamos um verdadeiro hospital, mas tudo lhe era difícil, até mesmo cumprir necessidades básicas, de erguer-se, ir ao banheiro, mas.... estávamos os quatro juntinhos, segurando nas mãos de DEUS. Contrariando as orientações médicas que previram dois meses de repouso, já com vinte dias, íamos, eu em sua companhia, a Jundiaí, ministrar cursos, pois meu marido não consegue ficar parado. Sem contar que dispensou todo analgésico, segurou-se nos ortomoleculares e homeopáticos (que fazem parte de sua especialidade clínica). Até o par de muletas lhe era pequeno e essas extravagâncias, levou-o a nova cirurgia, anos depois, culminando com a retirada dos ferros, e ele hoje, caminha normalmente, verdadeiro milagre da fé e da crença na cura.
          Agora consegui reviver aqueles momentos. E a experiência positiva nisso tudo, é que com a força e a paciência do João diante do tratamento, tornamo-nos mais pacientes e seguros. Se ele pode, nós também podemos... e levamos adiante este lenitivo, de dar graças e lutar por uma melhor condição, sempre que a adversidade nos assiste.