AS FLECHAS E O ARQUEIRO

          Depois de ter guardado todas as louças do café da manhã, e regado as floreiras que adornavam a sacada onde sempre gostava de passar as tardes lendo, meditando sobre a vida futura, tão mais alegre e prazenteira com a chegada do primeiro filho, Nany sentiu-se um tanto quanto extenuada, afinal, já estava no finalzinho de sua primeira gestação e, a qualquer momento - o médico dissera, poderia chegar a hora.
          Refez novamente os cálculos, a partir da primeira falha menstrual (foram tantos os exames negativos), e estava convencida, aliás, sempre o estivera, de que seu filho chegaria como chegam as cores vivas do ouro e roxo de Agosto, suas preferidas...
          Era dia 1º de outubro. Olhou pela janela do quarto do futuro hóspede e contemplou com admiração a cor dourada do lpê que o pai plantara, antes de sua doença se agravar, nos canteiros laterais, do pequeno e aconchegante chalé construído nos arredores da cidade, num desses loteamentos onde tudo é permitido, até o plantio de árvores floridas e mudas frutíferas. Como se o progresso ecológico houvesse por bem chegar somente
          aos limites da cidade, para não atrapalhar a expansão industrial e social...
          Ai! Nany repetiu para si mesma, fazia muito tempo que não sabia o que eram as dores da cólica... Será?!
          Apressadamente foi ao telefone, avisar o marido, não antes de pedir à empregada, Célia, garota de seus 15 anos, muito esperta e prestativa, que conseguira nas redondezas, quando para ali se mudara, que fosse chamar sua mãe. Esta, que já tivera os seus 8 filhos, quase que encarregados, não queria nem ouvir falar da pílula, foi o que dissera, na primeira conversa, quando acompanhando a menina para o trabalho, se colocara à disposição para ajudar no momento em que fosse preciso.
          João, do lado de lá do fio, sempre agitado, como toda legítimo descendente italiano, tranqüilizou-a, pediu que se arrumasse e deixasse que ele mesmo se encarregaria de avisar os familiares, assim que a acompanhasse até o hospital.
          Nany colocou-se, ansiosa e bela, à espera do marido, enquanto apanhava sua "baby bag" pronta já desde a última consulta ao obstetra, há 15 dias.
          Chegando ao hospital, deram de cara com os familiares, naturalmente que o marido pedira à secretária que comunicasse a todos eles. Traziam em suas mãos, escritos confortantes e poéticos, para que fossem lidos após o nascimento, os cartões, as flores, tanto espírito festivo prenunciando a felicidade vindoura.
          O nascimento não foi assim tão igual a tantos: foram 22 horas de trabalho de parto, para que o bebê pudesse nascer de maneira natural e pelas mãos do médico acompanhante, que se encontrava em exercício idêntico em outro hospital. Não foi tudo como se esperava, mas certamente tudo ocorreu de maneira tranqüila, nos cuidados hospitalares.
          Às duas horas iniciais do dia seguinte, quando o perfume e as flores do lpê, específicos daquela região deram seu bom dia, Nany sorriu, extenuada e feliz com o choro "vermelho e faminto" de seu filho.
          O pai aproveitando a comoção momentânea pedira-lhe baixinho aos ouvidos, ainda na sala de recuperação: "Permita que o chamemos pelo meu nome!..."
          Ela nem chegou a refletir, tão complicado já vinha sendo a escolha do nome e, afinal, Juninho ( já o chamava assim), havia de ser um grande homem, de sucesso e qualidades pessoais nobres como o pai, grande presença em sua vida Nany fechou os olhos, enquanto rostos amigos e amados volteavam sua cama.
          Precisava descansar, o médico dissera, daqui a algumas horas deverá amamentar e precisa sentir-se forte física e psiquicamente.
          Descansou de fato. E, este mesmo descanso, ela repetiu-o novamente, um ano e meio depois, com o nascimento de sua filha - Katiane, para alegria do pai e avós paternos que na distante cidade de Joinville, estiveram presentes no hospital. Desta vez, os seus pais e irmãos não puderam se fazer presentes, mas repetiram as congratulações festivas e alegres, através de cartas e mensagens.
          Esses momentos grandiosos de que toda mulher, toda família participa, ficou, em sua memória, como as palavras que se fixara em um quadro, naquele leito de hospital-matemidade:
          "Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas. O Arqueiro mira o alvo e projeta suas flechas para o infinito. Assim como Ele ama a flecha que voa, também ama o arco que permanece estável".
          Ficou gravada a força da mensagem, que certamente, na trajetória feliz de Nany, serviu-lhe de conforto espiritual, em outros momentos, extremamente opostos a estes: a de que Deus empresta suas forças, quando com as nossas já não podemos contar...