CAMPO DE SEMENTES

          Nany foi sempre mais uma dessas crianças, como hoje se diz: Criança Esperança. Nasceu num lugarejo denominado "Campo de sementes", região catalogada no INCRA como Estação Experimental de São Simão, e, como o próprio nome já diz, uma área de experimentos. Ali tudo se plantava em termos de sementes. Bem por isso, a fartura e prosperidade dos seus campos e pomares, atraía famílias vindas de longe, para tentarem um contrato de trabalho, e iniciarem uma vida de progresso, onde seus filhos pudessem crescer saudáveis e felizes. Na redondeza havia dois pequenos municípios: um deles, São Simão, era já uma cidadezinha mais próspera, possuía colégio, lojas, comércio mais efetivo e o outro, a pequena Bento Quirino, próxima do local onde morava, foi onde cursou o primário, juntamente com suas irmãs Lavínia, Isa e Genoveva. Ali colecionaram, orgulhosamente todas elas, medalhas de "Honra ao Mérito", fornecidas pelo Estado aos alunos que se destacavam nos estudos. Em meio a grandes amizades, vizinhos comadreiros, disputas baralheiras e divertidas brincadeiras, como a da "Assombração" (na época da Quaresma), "Missa do Galo" (na época do Natal), "Balança Caixão", "Lenço atrás", "Passa Anel", "Amarelinha", "Senhora Dona Sonja", "Queimada", "Céu e Inferno", e muitas outras praticadas pelos adultos como Malha, Bocha, Futebol, etc, Nany foi crescendo, na alegria e na vivacidade que lhe era peculiar. Na escola, o pai , sempre muito exigente, gostava de assinar as carteiras, que ostentavam sempre as maiores notas. Controlava também as presenças diárias, o que tornava impossível "enforcar' as aulas, para ficar gazeteando pela cidade. A mãe, escovava com carinho os uniformes pregueados e engraxava quase que diariamente os grossos solados da criançada (sete ao todo, contando com os caçulas Benê e Márcia). Nos finais de semana, nas quermesses interioranas, Nany colecionava correios elegantes, bem como pétalas de flores, que deixava murchar em meio aos livros, cortesias dos rapazes da região. Cultivava também grandes amizades. Colecionar e trocar letras de músicas, e fotos de artistas da Jovem Guarda era um outro hobbie praticado nos tempos de Colégio, na cidade vizinha de São Simão, época em que chegou a receber, junto com as irmãs, para o orgulho do pai, homenagens até dos políticos governador Laudo Natel e senador Carvalho Pinto, que prestigiaram alguns eventos de finais de ano. E nos furtivos encontros no cinema da pequena Bento Quirino, praticava-se sempre a estratégia da cadeira reservada ao lado, para tão logo apagada a luz, o namoradinho pudesse se achegar sem que o pai, disso tomasse conhecimento, driblando a vigilância do porteiro Zeca Porto, encarregado da vigilância camarada. Ao final do filme, espertamente o "drible" se consumava, evitando que as futuras proibições viessem acabar com o prazer jovem e inocente, porém altamente cerceado pelos moldes de época.
          Outros e grandes momentos marcaram a infância de Nany, ali, naquele pedaço de paraíso, somado a uma sólida amizade, onde o auxílio mútuo nas horas de dificuldades nunca deixara de existir, o inestimável crédito comercial das horas de carência, enfim, desse farto período, ela jamais haveria de se esquecer.
          Quando chegou o momento de se mudarem para uma cidade maior, em busca do trabalho e extensão dos estudos para os filhos, Seu Antônio e Dona Genoveva, deixaram de lado sua tranqüilidade e segurança, para se aventurarem, com todos os seis, à procura de novos horizontes, e na escolha, a grande Ribeirão Preto, onde já residia a filha Arlete Cangussu, que se casara bem cedo, aos 16 anos, surgiu como o novo campo, onde Nany poderia acumular novas vitórias.
          Na velha "Campo de Sementes" ficara guardado sobre os telhados, os seus primeiros dentinhos; no quintal, o velho pé de amoras, que na época de sua partida - Setembro, dela se despedira carregadinho de frutos, com gentis passarinhos entoando cantos de agradecimento pelo doce prazer campestre, disputado amigavelmente com as abelhas e os marimbondos.
          Setembro também era o mês de seu aniversário, portanto, um mês de novos presentes, que certamente viriam em forma de grandes projetos...
          E, o antigo pomar da Fazenda, despediu-se dela, ofertando-lhe seus frutos temporões, algumas mangas e goiabas. A macaubeira, entristeceu-se, quando Nany foi, manhã cedinho, procurar nos pastos, algum coco cheiroso, mas, os que haviam nesta época, estavam presos firmes em seus cachos, não conseguiram se desprender.
          Do campo de cedros, Nany recolheu algumas flores secas, para o próximo enfeite de Natal. Na verdade o prazer maior era o reconhecimento de ter estado ali, naquele espaço aconchegante, palco de tantas divertidas brincadeiras teatrais, que encenara com as amigas...
          Passou rápida pelo campo de amendoim, aquele mesmo onde os frutos não cresciam, devido às investidas da criançada que usavam-no como campo de queimada ou de futebol, sendo o pai o juiz, e as filhas, seus mais "cobrados" jogadores.
          Foi de fato, um adeus alegre. Afinal, muitas outras emoções a seduziam para o grande futuro e Nany, em momento algum, embora grata, pensou em ficar. Apenas regou com lágrimas de agradecimento a sua despedida daqueles férteis e inesquecíveis Campos de Sementes...