SÃO SIMÃO, BERÇO DA MINHA SAUDADE...

(1º lugar no 1º Concurso de Crônicas da Cidade de São Simão)

          Partir é buscar sempre um novo porto. Chegar nele, pode não ser seu último ancoradouro.
          Com essas palavras ditadas pela sabedoria paterna, nos despedimos de São Simão. Era o ano de 1967, por volta do mês de Setembro, quando a primavera saúda os que chegam e os que se vão, no canto mavioso de livres pássaros, no multicolorido de suas flores, no sabor adocicado de seus frutos.
          Apanhei meu velho Diário e registrei apressada a célebre frase, que até hoje faz sentido em meu viver – "Partir é sempre um começo, chegar lá nem sempre é o fim..."
          Em meio ao corre-corre matinal, passei apressadamente às mãos da vizinha Tereza e dos seus filhinhos Beto e Carlinhos, o bichano chamado de "Muxoxô", o "Relo e a Lica", casal remanescente dos muito galináceos que criávamos, sabendo que nossos valiosos vizinhos já nutriam afeição pelos animais, e atendi mais apressada ainda ao grito de minha mãe:
          - Nany, minha filha! Apresse-se, pois a viagem é longa e o transportador espera chegar em Ribeirão Preto por volta de dez horas, pois o clima por lá é muito quente...
          Não sem antes me despedir é claro, um a um, dos muitos vizinhos entre os quais passei toda a minha infância e o princípio da adolescência...
          Trocamos lágrimas, promessas e abraços apressados.
          No alto do caminhão, revi seus rostos úmidos, que à distância iam se tomando mais e mais menores. Aquietei-me ao ver que minhas irmãs assim o procediam, e, observando meu pai a se ocupar com a nossa caçulinha, a pequena Márcia, de 5 anos, que devorava gulosamente algumas frutas colhidas do antigo pomar, entreguei-me às lembranças do passado.
          De quando organizávamos, finais de semana, ali em nosso "Campo de Sementes", caravanas de jovens e adultos, rumo aos cinemas da vizinha Bento Quirino, assistir o campeoníssimo em bilheteria - "Mazzaroppi", às quermesses, ou ainda assistir às missas dominicais ou até mesmo às pregações dos padres Missionários.
          A cidade de São Simão, um pouco mais distante, exigia percurso motorizado, por isso o acesso àquela cidade era feito diariamente durante a semana, no horário escolar, das 12:30 às 18:00 horas.
          Mas era sempre muito entusiástico o nosso deslocamento para lá. Às vezes, esporadicamente, ocorria dispensa das aulas, por falta de água nas torneiras, espaço que diversificadamente preenchíamos, visitando alguns lugares preferidos: a praça Central, em frente à Casa de Tecidos Badan, o bar do Zafanella , o ponto de ônibus da Viação Danúbio Azul, em frente ao bar do sr. Cordeiro ("apreciar os viajantes"), a velha Estação Ferroviária, aí pelas redondezas, a Pastelaria no canto da praça, o Clube Operário, a Sorveteria Neves, o Mercado Municipal, o Convento, o Velho Cine Oásis, os "estúdios fotográficos Zerbetto, ou até mesmo, havendo algum convite, transferir o lanche e o chazinho para a casa de algumas das amigas: Helena, Rosa, Lúcia Helena, Carolina, Maria Lúcia e Maria Tereza, Lúcio Marques Filho, e outros mais.
          E de quando nos aventurávamos a fazer a trajetória de regresso a casa a pé, passando em frente à Escola Agrícola, cumprimentar através do cercado, é claro, alguns alunos internos "nossos conhecidos", iniciar uma conquista, plantar novas flores no jardim colorido do amor...
          Nem as exaustivas peregrinações às Capelinhas da estrada, em épocas de seca, para molhar o templo, remover o pó das imagens, acender velas, ritual religioso praticado no lugarejo para atrair de volta as águas, conseguia neste momento cinestésico, deixar-me cansada.
          E as tardes domingueiras, tão bem preenchidas: à caça de gabirobas , marmelos, macaúbas e jatobás, sempre em multidões, a pesca de lambaris, tilápias e mais à noitinha, os bailinhos do "Clube" improvisado, onde recebíamos prazerosamente os convidados simonenses e bento-quirinenses.
          Aos populares bailes carnavalescos, por certo haveria de estar presente nos próximos anos, tamanho fora o prazer descoberto ali, naquela comunidade. Foi assim compromissado.
          E foi empolgante a viagem. Consegui em questões de horas, fazer uma revisão da felicidade vivida até aqueles 14 anos, e mais emocionante ainda haveria de ser a próxima etapa, em meio à cidade grande, expandir os estudos, trabalhos, novos amigos e tantos projetos que ali foram traçados, em meio à minha família, meus pertences, meu tudo.
          Até mesmo a doença de meu pai, anos tratada pelo amigo Dr. Floriano Silveira, haveria de "dar um tempo" e proporcionar-lhe ainda mais 25 anos com boa qualidade de vida.
          Trouxe de São Simão a experiência da infância rica e saudável, da adolescência emoldurada pelo compromisso com o eterno aprendizado, que se consegue através do esforço pessoal em busca do sucesso, pude construir lá um coração e mente sonhadores, que é com estes que galgo corajosa e firme, os degraus mais altos ou mais baixos de minha existência.
          Aprendi ali a ser única sem ser destoante, e não precisar, em nenhum momento, de me esconder em disfarces...

          Meus dias em São Simão,
          foram de fato os melhores.
          Trouxe de lá a lição:
          "Eufemizar'" os piores!...