DESPERTAR
(ANTOLOGIA USF/94)
Amanheceu. Quando os primeiros raios de sol clarearam as finas cortinas de seu quarto, no
andar superior da casa, ela despertou.
Levantou-se e olhou o relógio que
trazia ao pulso: seis horas da manhã.
Sonolenta ainda, e com o corpo meio
encolhido, na preguiça do horário, pôs-se a lavar o rosto, enquanto a monótona
sintonia da água no pingar da torneira, levava-a aos pensamentos de todo dia, àquele
horário.
Em quinze minutos, concluída a
higiene matinal, colocou a mesa para o café e tratou de despertar os dois filhos para o
compromisso escolar de mais um dia.
O marido chegou com os pães
quentinhos, comprados na padaria próxima de sua casa, colocando-os juntamente com o
leite, café, manteiga, frutas, sobre a mesa já entoalhada.
Terminada a primeira refeição
matinal, no correr dos ponteiros do relógio da parede, todos se levantaram e se dirigiram
à labuta diária, enquanto que, novamente só, ela decidiu retornarão leito, pois o dia
se mostrava frio, convidativo, e a empregada demoraria ainda
uma hora para chegar. Todo o
cuidado da casa lhe era entregue, e para isso era bem remunerada.
Debaixo de um macio edredom,
adormeceu novamente, passando rapidamente para os sonhos.
Sonhou um sonho diferente: sonhou
que era uma estrela, pequenina, do tamanho de uma bolinha de gude, perdida na imensidão
do céu azul, em que agora se via.
A sua volta, muitas outras
estrelas, de todos os tamanhos e brilhos, muito próximas umas das outras, irradiavam à
longa distância, um clarão imenso, formado pela união de seus raios. Sentiu-se
ligeiramente ofuscada.
Não deixou de experimentar em seu
íntimo de estrela, uma pontinha de inveja, por se perceber única e destoante, naquele
universo brilhante, harmonicamente decorado.
Seus pensamentos se interromperam,
com o piscar intermitente das estrelas, a apagar e acender, como os vaga-lumes, os seus
raios.
Pensou pensamentos de alguém que
observasse acordado, lá embaixo, a incognitude de sua mensagem.
Voltou a se concentrar e descobriu
nas estrelas que umas eram de maior tamanho, portanto, brilhavam mais, e outras, menores,
brilhavam proporcional ao seu tamanho.
No vaivém de estranhas
sensações, despertou.
Observou novamente o relógio,
notando que repousara por mais de duas horas.
Trabalhou espreguiçadamente os
movimentos de seu corpo, e ao dirigir-se para o andar inferior da casa, pensava ainda no
sonho que tivera.
Relacionou as estrelas, com as
mulheres, que como ela, dia-a-dia, cuidam de suas casas, gerenciam compromissos, ministram
a educação aos filhos, e auxiliam-nos em toda espécie de dificuldades.
Não seriam elas, as próprias
estrelas que brilham em uníssono, no exercício solidário de seu trabalho, diariamente
executado?
Sentiu-se feliz após esta
reflexão, conseguiu até disfarçar o seu brilho tantas vezes ofuscado. Traduziu um novo
sentido para a sua vida.
Sonhou agora, de olhos abertos, os
sonhos do dia, esses que se praticam de olhos, mente, espírito e coração bem atentos,
que fortificam a alma, para o caminhar contínuo de toda uma vida.
Vida que se veste de esperança,
quando se tem a certeza de estar contribuindo com seu brilho único, para a estruturação
de uma família, numa sociedade, onde todos os indivíduos se precisam e se apoiam uns nos
outros.
Sonho que se faz vida. Esperança
que se transforma em fé...
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