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ESCRITORES


Maria Dulce Naief Kattar Louro


BREVE RELATO SOBRE ABANDONO

Na árvore balança o bebedouro dos pássaros......
sem uma só gota.
Pelo chão do quintal, o musgo cresce......
espalhando o verde qual tapete.
O calendário pendurado na parede
marca o janeiro de muitos anos atrás.....
 E num  catre que já foi cama
repousa um quase ser que já foi humano.
Pela casa o pó se acumula,
misturado aos pelos dos cães
respirando cúmplices o cheiro do próprio couro.   

           

PARTIDA                                                              
                                                                           
quando me sinto só e desamparada,
eu busco força nos meus dias idos
olhando atrás e examinando a estrada
o longo trecho até hoje percorrido.

Não foram poucos os meus dissabores,
nem foram tantos os dias felizes.
Deixei de mim um pouco em meus amores,
deixaram em mim algumas  cicatrizes.

Mas já transponho a ponte , afinal.
Confesso, levo alguma ansiedade
Se não fui bem, também não fui tão mal.

E como entrei num beco sem saída,
é tempo já de testar se  é verdade
que a morte é o grande momento da vida!


REFLEXÃO SOBRE O NADA

Tento penetrar o imensurável,
Mas uma pergunta me persegue e me incomoda...

 São pontos de interrogação obscuros
que engulo...........e não digiro!

“ quando eu fechar os olhos,
      de que terão valido os dogmas
          que nortearam a minha vida”?
   


MÁGOA

lembro-me da lágrima que escondias
por entre os dedos de tuas mãos tão frias
quando eu falei que não queria mais.
E hoje já  distante do passado,
Inda magoado, passas  ao meu lado
como um  estranho, sem olhar pra trás.


MEU DUPLO.     
                 
você deve ser cria minha
quando me acorda de madrugada
e me faz pensar coisas
e me faz fazer coisas.
Você deve ser o meu duplo
que vive de mim quando adormeço.
Em qual desvão da alma se esconde?
Não sei se você sou eu, ou se sou eu em você...
Só sei que está destinada à solidão do anonimato,
à reclusão das entranhas.
Você não existe sem mim.
E talvez eu não seja a mesma sem você.
Que personalidade é essa, que agregada à minha,
precisa ser anulada, mutilada,
obrigada a viver de momentos obscuros,
rebentando dos sonhos ? ........


CANSAÇO

Já nem é ocaso, é noite escura, estou cansada.
Latente, um peito amargurado sangra.
A mente, intacta, teimosa, chacoalha.
Instiga!  E de tempos em tempos me acena
com uma carta escondida na manga.        

      
SENSAÇÕES

Pela rua, no ar noturno, penetrando os meus sentidos,
cortante, curto e agudo,
d’uma ave , o canto surdo ,distante,  soturno,
 conciso.
Num misto de sustenidos
e bemóis,
me trazendo gemidos esquecidos
de batalhas sem vencedor nem vencido
travadas sob os lençóis.



(volta)