Linguiça: uma bragantina famosa
A tradição e a fama da linguiça de Bragança Paulista se fazem de
inúmeros ingredientes, do presente e do passado, em uma receita na qual
não podem faltar pitadas como a condição do município enquanto provedor
de gêneros alimentícios para outros locais, o papel importante de
tropeiros, da suinocultura, de casas de banha, açougues, vendedores de
tabuleiro e armazéns, a influência, em doses generosas, da imigração
italiana, diversificação de marcas e sabores dos tempos atuais.
Quando a Freguesia foi elevada a Vila, no final do Século XVIII, Nova
Bragança se firmava na condição de fornecedora de mantimentos para
outras localidades e o toucinho despontava como um dos mais vendidos,
fatores importantes, ao que tudo indica, para o direcionamento de
atividades que se sobressairiam nas décadas seguintes. Não se pode
esquecer do papel fundamental desempenhado pelos tropeiros na
circulação de mercadorias entre as diversas localidades na época em que
a região ainda não contava com outros meios de transporte. No caso do
toucinho, ressalte-se, a suinocultura bragantina se tornaria, com o
passar do tempo, uma das mais destacadas no Estado de São Paulo.
No Século XIX, os documentos da administração local mostram os
registros dos primeiros vendedores ambulantes de carne. Alguns
deles também vendiam toucinho. Embora a documentação daquele
tempo não evidencie o início do processo de produção de linguiça
em Bragança Paulista, não se descarta a hipótese de os vendedores de
carne em tabuleiros terem sido, mesmo antes de se registrarem
oficialmente, fabricantes de derivados da carne, com base em receitas
próprias, caseiras, que inicialmente serviam apenas para consumo
familiar.
Em meados dos anos 1800 a Vila é elevada a Cidade e, por volta de 1881,
começam a ser cadastrados na arrecadação municipal os primeiros
açougues. Os mais antigos foram o de Francisco Domingos de Oliveira e o
de Francisco Bento da Silveira, mas logo surgiram inúmeros mais,
como os das famílias Iarussi, Diniz, Próspero, Apezzato,
Cassiano, Ferrari, La Salvia, Del Nero, entre outras.
Os açougues, inicialmente, vendiam carne de porco. A partir de
1895, Roque Fantini e Cia. registraram um estabelecimento para a venda
de carne de vaca e, pouco tempo depois, a família Iarussi
cadastrou um açougue para comercialização de carne de porco e de
vaca. Teriam os primeiros açougues bragantinos, além da venda de carne,
também fabricado e comercializado a linguiça? Mesmo que a
resposta a essa pergunta ainda não tenha uma resposta
evidenciada, os açougues desempenhariam papel importante para o
sucesso da linguiça bragantina, conforme se verá mais à frente.
A inauguração da estrada de ferro, em 1884, fortaleceu o intercâmbio
com São Paulo e outras localidades da região ligadas pela ferrovia, o
que contribuiu para fomentar a circulação de mercadorias. Armazéns
bragantinos, com a facilidade do novo meio de transporte, podiam
receber mercadorias de fora e as enviarem a outras cidades em grande
quantidade e variedade.
Em 1897 passaram a constar nos registros oficiais bragantinos os
linguiceiros de fato, estando entre os pioneiros os irmãos Centini,
Nicolao e Pedro. A atividade era a venda ambulante de linguiça, mas
cabe novamente a interrogação: seriam eles os próprios fabricantes do
produto que vendiam? Teriam produzido uma linguiça de receita
caseira?
O período de transição do Século XIX para o XX foi marcado pela
intensificação da imigração italiana e com ela vieram
ingredientes básicos de culinária: os talentos e os segredos dos
italianos. Famílias italianas – Lauletta, Losasso, Falabella,
Molinari – registraram as primeiras casas de banha na cidade e, de
acordo com Molinari, algumas fabricavam também a linguiça. Conforme o
autor, pelo menos desde 1912 a linguiça passou a ser fabricada
por casas de banha e, na Fábrica de Banha Olga, Luiz Molinari era
encarregado do serviço de linguiças, vendidas dentro e fora da cidade.
Naquela época preparava-se linguiça com sobras de carne fresca obtida
da fabricação de banha e torresmo. A receita mais comum de linguiça nos
tempos antigos era composta de carne, sal e alho socado. No
entanto, italianos como Mata, também introduziram uma inovação: a
linguiça calabresa que, além dos componentes básicos, recebia erva doce
e pimenta. Estabelecimentos pertencentes às famílias Lauletta –
que se expandiu para Frigorífico com o nome de Cristal -, Jannuzzi e
Palombello constam entre as que contribuíram para a ampliação da fama
da linguiça bragantina, inclusive da calabresa. Em 1928, Giácomo
Palombello registrou legalmente a sua Fábrica de Linguiça Bragantina,
no Bairro do Matadouro.
Ainda no começo do Século XX, a imigrante italiana Palmyra Boldrini se
destacou como especialista na produção de linguiça caseira, vendendo
dezenas de quilos de linguiça dentro e fora da cidade A linguiça
preparada por ela era adquirida por viajantes para presentear amigos e
conhecidos em outras cidades e, entre seus fregueses, além de hotéis da
capital paulista, havia personalidade de destaque no cenário estadual.
No decorrer dos anos 1900, outros nomes se destacariam no cenário
da fama e da qualidade da linguiça bragantina, como o da família
Santarsiere, que até hoje conta com integrantes ativos nessa área e
profundos conhecedores do assunto. Outra participação importante veio
do expedicionário bragantino Otávio Pereira Lente que, ao
retornar da Segunda Grande Guerra, trouxe da Itália uma receita de
linguiça artesanal e passou a fabricá-la no Bar Rosário,
então sob a direção de sua família. Mesmo após as mudanças de
proprietários, passando pelos irmãos João e Carmelo Alvarez e hoje já
sob outra direção, o estabelecimento continua a funcionar na
cidade e sua marca se mantém associada ao preparo de um tipo próprio de
linguiça.
Na década de 1960, a família de José Ernesto de Oliveira Filho
(Juquita), proprietária do Açougue São José e Salsicharia Bragança –
que surgiu como empresa Vasconcellos & Oliveira e, posteriormente,
passou a pertencer apenas à família Oliveira – chegava a transportar
cerca de mil quilos de linguiça para outras localidades, no percurso
que partia do Bairro do Taboão, em Bragança Paulista, e passava por
Atibaia, Mairiporã, Franco da Rocha, até a zona norte de São Paulo, em
especial os bairros de Jaçanã, Santana, Tucuruvi, Tremembé e Vila
Maria.
Nesse trajeto vendia-se toda a quantidade de linguiça transportada e já
se identificavam sinais de um processo até hoje mantido em muitos
estabelecimentos da capital paulista, que anunciam a venda de lanches
feitos com a “famosa”, a “autêntica”, a “verdadeira”, a “original”
linguiça de Bragança.
Circula na cidade a informação de que em 1963, ao participar do famoso
programa de televisão Clube dos Artistas, apresentado pelo casal Airton
e Lolita Rodrigues e exibido pela extinta TV Tupi, o então prefeito de
Bragança Paulista, Professor Ângelo Magrini Lisa, quando perguntado a
respeito do que se produzia na cidade, respondeu: linguiça e pinga. O
episódio é ainda hoje lembrado e citado por bragantinos que viram o
programa e dizem ter sido esse um impulso para aumentar ainda mais a
fama e a procura pela linguiça bragantina.
O processo produtivo se expandiu, resultando em diferentes tipos de
linguiça artesanal, que se caracteriza pela utilização de ingredientes
naturais e de alta qualidade. No município, hoje, inúmeras
empresas se dedicam à produção da linguiça bragantina. Marcas
como “Famosa”, “Autêntica” e outras foram surgindo e se firmando e, em
2011, por iniciativa da Associação dos Produtores de Linguiça de
Bragança Paulista, passou a ser realizado na cidade o Festival da
Linguiça, evento gastronômico que atualiza o público em termos de
novidades na produção da linguiça artesanal, além de
oferecer diferentes alternativas de pratos e lanches preparados com a
linguiça bragantina.
Os fatos e nomes citados neste texto não esgotam o assunto, mas ajudam
a contar uma parte da história da linguiça bragantina e daqueles
que contribuíram para manter a tradição e para expandir as negociações
em torno desse produto que se tornou selo de qualidade e símbolo de
identidade para Bragança Paulista.
Em 2018, foi protocolado por Herculano Passos na Câmara dos Deputados,
o projeto de lei que hoje tramita no Senado, sob o número 2.120, de
2019, para concessão do título de Capital Nacional da
Linguiça Artesanal a Bragança Paulista. Seria a formalização legal de
um título que, de fato, a cidade já conquistou.
Regina Maria Zanini Damázio – historiadora e escritora
REFERÊNCIAS
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